Enchente de São Lourenço do sul
09 de marco de 2011 Quarta feira de cinzas, depois de participar do Encontro da Vela de São Lourenço do Sul feriadão de carnaval, fiquei na cidade para resolver assuntos pessoais.
Retornando a Porto Alegre a noite cheguei em casa por volta das 22:00 hs. Fui dormir passando da meia noite. 05:15 hs da manha toca meu celular , era minha cunhada Maíra que reside em São Lourenço,“ Oi Fernando , está acontecendo um probleminha aqui, tem um carro de som passando pelas ruas avisando que devemos abandonar as casas ,pois o rio São Lourenço está subindo muito depressa e parece que vai chegar aqui,e segundo vizinhos existem barcos se soltando e indo para Lagoa”. Bom quando ela terminou a palavra barcos já estava me vestindo, e avisando que estava a caminho. Ocorre que o Guapo estava lá, desde Dezembro. Mas por mais que pudéssemos imaginar, barcos indo para Lagoa me parecia um pouco demasiado. 05:35 hs estava abastecendo o carro no Posto BR da Pde Cacique, e de telefone em punho, acionei meu Irmão Lander o(NENE), que também mora na cidade. Nenê me atendera sabendo da situação e já de pé ,se deslocou para ver o quadro. 06:00 hs já a caminho meu concunhado Eder liga dizendo, “Olha Fernando .tá feia a coisa aqui, o teu barco ainda está lá amarrado , mas os que estavam a esquerda dele, todos já foram para a Lagoa, o teu está encima de um menor, empurrado por outro maior, escorado em uma árvore mas não sei se vai agüentar, vou desligar porque parece que a água esta chegando na porta da minha casa”. Sua casa fica a umas cinco quadras do rio, sinal que era feia a situacao. Graças ao celular, continuei com informações on line acompanhando o avanço das águas. Em um determinado momento meu irmão me passa o último panorama e informa que esta abandonando o posto de controle do Guapo porque sua mulher ligou e a água começava a chegar também na sua casa. A casa do Nenê é do outro lado da cidade , tentar entender que água poderia chegar a sua porta era o fim da picada. “Nando teu barco ainda está lá, porém o quadro é devastador ,está descendo pelo rio cavalo,vaca ,cachorro, geladeira, móveis, de tudo e olha só, a escuna do Nena Vento Negro ,que estava em manutenção no estaleiro está passando neste momento a minha frente, sozinha desgovernada em direção a lagoa levando tudo por diante, parece um filme de terror.”, e em seguida ele liga novamente confirmando água na sua porta e reportando que não adiantaria tentar passar de carro ,pois quase não conseguiu voltar pra casa, melhor pegar uma moto na loja . 07:35 hs estava na frente da loja de veículos de sua propriedade trocando de condução . Fui ao encontro do problema e encontrei água por toda parte ,o povo na rua parecia formiga desgovernada , sabe quando se meche no caminho das formigas, elas ficam andando para todos os lados sem saber para onde ir, era a cena. Gente vindo com seus pertences, crianças no colo calcas arremangadas molhadas. Comecei a contornar a cidade tentando chegar no outro lado para ver a situação do Guapo, no caminho encontrei o Dr. Daniel Vernetti, filho de construtor de Barcos,o mesmo estava preocupado pois não tinha notícias de seu Pai nem de sua irmã que moram na beira do rio. Montou na moto comigo e seguimos na idéia de contornar a cidade pela beira da praia, ou seja se fosse o caso entrar a pé dentro dágua e chegar ao outro lado caminhando. Não foi possível a correnteza era muito forte de arrastar até automóvel, certamente estava abrindo buracos e estava muito perigoso. Subo algumas quadras e vejo uma pá carregadeira trazendo pessoas na caçamba, quando de seu retorno para buscar mais gente, subo com ele e vamos na tentativa de ultrapassar o obstáculo.Chegou em um ponto que o operador da máquina disse “daqui não vou, esta ficando muito perigoso, esta correnteza em meio as ruas deve de estar abrindo buracos e podemos ser engolidos”, voltamos e subi em um trator MF tracionado, que estava indo buscar um parente que não conseguiu sair de casa e estava ilhado. Mesma coisa ,não conseguiu passar em uma das ruas tamanha forca da correnteza. Na esquina da casa da vítima descemos agarrados as grades das casas eu e o Daniel fomos buscar o casal que estava apavorado vendo a água subir. Agarrados a nossos braços levamos o casal sexagenário com água na cintura até o trator .Tentamos tranqüiliza-los pois estavam bastante nervosos. Não era pra menos, sua casa estes chalés pré-fabricados estilo cabanas não tinham como subir para o telhado, e demoraram demais a tomar a decisão de abandonar a casa. O que se via eram pessoas que não abandonaram as casas subirem para os telhados. Peguei a moto e voltei para o centro da cidade , lá estava um amigo Richard descarregando pessoas que resgatara em sua lancha, uma FS210 em pleno centro da cidade, como se estivesse na praia . Subi na lancha e fui ajudar aos resgates, previlegiando mulheres ,crianças e idosos que estavam em situacao de perigo. Apartir daquele momento esqueci o Guapo, o importante naquele momento sem dúvida era ajudar. Quanto mais nos aproximávamos do rio maior era a profundidade e a correnteza, entre uma esquina e outra tínhamos que atravessar a lancha e dar motor para avançar e não bater nas casas. Passávamos no meio da rua para não bater com a rabeta em veículos que não tiveram tempo de serem recolhidos, pessoas nos acenavam pedindo socorro. Entre várias situações uma bizarra . Um rapaz acenava desesperadamente de uma janela no segundo andar ,quando nos aproximamos perguntando se estava tudo bem , o mesmo exclamou,”Cara tá tudo bem vou ficar aqui até baixar a água mas pelo amor de Deus, me dá um cigarrinho aí ,o meu está todo molhado”. Fui obrigado a dizer que esta era uma ótima oportunidade de deixar de fumar. Outra senhora estava encima da alvenaria da caixa dágua , em uma belo sobrado de telhas esmaltadas . Como esta a Senhora, tudo bem ? Perguntei. “ Meu filho não tem nada bem , estou aqui a mais de três horas , não comi nada ,não tomei meus remédios e não faço a menor idéia como vou sair daqui.” Realmente ela estava bem, segura seca bem vestida, mas como ela foi parar lá , e como desceria de lá , não sei explicar pois a lancha não tinha como chegar perto . Mas o importante é que não corria risco de vida. Tiramos um Senhor do telhado de uma casa antiga próximo ao leito do rio o mesmo estava com água quase na cumieira com meia espalda para fora ,foi uma operação complicada pois a proximidade com o leito do rio , a profundidade era maior e a corrente também , cada vez que tentavamos chegar batíamos em uma árvore e jogava a lancha perigosamente contra a casa, uma pequena tensão a bordo e conseguimos encostar no telhado escorregadio e perigoso da casa antiga. Desci de quatro pés e cheguei ao cidadão o mesmo estava bem porém com um problema na perna esquerda não tinha forcas para sair dali, aliás não sei como chegou . “Me ajuda só a levantar esta perna, “ solicitou o Senhor que deveria ter seus setenta anos. Quando soltei ele desta armadilha ,sua fisionomia era de quem tinha escapado desta, com os pés brancos de estar a bastante tempo submerso, soltou um belo suspiro de agradecimento. Em outra situação atravessamos o rio ou o que deduzíamos ser, para socorrer nosso amigo Dr. Mesquita, que via celular já vinha mantendo contato com o Richard .Sua casa no outro lado do rio estava totalmente submersa, ilhado no telhado acompanhado de sua esposa e filha mantinha-se calmo embora não tivesse opção para onde ir. O trabalho executado pelo Richard colocando sua Lancha em diversas situações de perigo, foi louvável e uma belíssima demonstração de coragem e solidariedade. Por volta das 11:00 hs com as águas baixando tirou a lancha da água pois começava a ficar baixa a profundidade para navegar no meio das ruas.
Com a água baixando por volta das 12:00 hs comecei a pé a tentativa de atravessar em uma das ruas que segundo as informações colhidas no momento, era a que teria melhores condições de travessia devido a sua altura. Somente por volta das duas horas da tarde consegui ver o Guapo. Do lado de cá do rio enxerguei o mesmo como se agarrando a uma árvore demonstrando sinais de não fazer pouco de seu nome de batismo,realmente estava confirmado o registro do meu querido Barco. “GUAPO”. Levou o dia todo para baixar o nível das águas porem somente no outro dia consegui atravessar em bote da defesa civil e chegar no Guapo. Felizmente não tivemos nenhum dano sério,apenas um arranhão forte no costado ,que com a ajuda do pessoal do clube e da canoa Titanic, colocamos o mesmo a navegar levando logo enseguida para o Saldanha da Gama em Pelotas.
Passando o terror devastador das águas, veio o caos dos danos causados pela enchente, Casas encharcadas móveis ,eletrodomésticos,colchões ,estofados tudo sendo colocado no meio das ruas apodrecendo com um mal cheiro terrível. O volume de entulho nas ruas era tanto, que a Prefeitura não dava conta de retirar. Durante alguns dias o cenário eras de uma sobra de guerra.
O que se destacou neste evento foi o espírito de solidariedade . Prefeituras visinhas mandaram máquinas caminhões , a defesa civil montou um posto de comando no clube Lorenciano,que junto a Exército ,Brigada Militar, Polícia Civil, Marinha que fundeou um Navio a frente de São Lourenço ,exerceram um papel fundamental para que a cidade não entrasse em colapso. Donativos chegaram de todas as partes com alimentos ,roupas, colchões e água potável . Vários eventos foram feitos em ajuda a São Lourenço , inclusive um jantar no Iate Clube Guaíba , onde fizemos parte , arrecadamos sacolas econômicas como valor do convite.
Hoje São Lourenço já se recuperou em boa parte , com apoio da sua população e um trabalho focado de seus administradores pouco a pouco estão apagando as cicatrizes que este episódio deixou.
São Lourenço do Sul a Perola da Lagoa , já superou este triste episódio e esta pronta para continuar a nos receber com suas belezas naturais .
Luis Fernando Guapo
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